Com auditório lotado, seminário na UFMT aprofunda discussão sobre dívida pública e Previdência e destaca necessidade de mobilização contra a PEC 06/2019

Às vésperas do aniversário de Cuiabá, um público expressivo que se reuniu na Universidade Federal de Mato Grosso já escolheu as vestes que irá usar na celebração dos 300 anos da capital mato-grossense. A roupa não é de festa, mas de mobilização, protesto e reflexão sobre a reforma da Previdência e outros ataques aos direitos dos trabalhadores.

Ao mesmo tempo em que o Governo defende essa reforma criminosa, alegando déficit e aquecimento na geração de empregos, especialistas afirmam justamente o contrário. Boa parte deles se reuniu em Cuiabá nos dias 4 e 5 de abril, por ocasião do 3º Seminário Estadual da Dívida Pública & Reforma da Previdência Social, ocorrido na UFMT. Os palestrantes foram unânimes em esclarecer que a  Proposta de Emenda à Constituição (PEC 06/2019) é na verdade uma farsa.

Não deixe o recurso da sua aposentadoria ir para o esgoto da Dívida Pública“. Este foi o mote do evento em Cuiabá, que reuniu especialistas como Eugênio Lagemann, economista e historiador da UFRGS com doutorado na Alemanha; Marcelo Gonçalves Marcelino, pesquisador do Núcleo de Estudos Paranaenses do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e coordenador da Auditoria Cidadã da Dívida no Paraná; Marluce Souza, doutora em Política Social e coordenadora da ACD em Mato Grosso; Marcos do Carmo Gusmão, auditor fiscal da RFB e membro do Sindifisco Nacional; e o assessor jurídico do SINDIJUFE-MT, Bruno Boaventura, dentre outros.

Pela seguridade social

O economista Eugênio Lagemann considera a PEC 06/2019 um claro ataque aos direitos dos trabalhadores, e muitos, segundo ele, não  viverão o bastante para gozar de sua aposentadoria enquanto outros sequer conseguirão se aposentar, depois de uma vida inteira contribuindo para a Previdência.

O Governo diz que a Previdência é “deficitária”, e movimentos formados por banqueiros e empresários pressionam pela aprovação da reforma, alegando geração de empregos, mas o objetivo é a barganha por tratamento diferenciado e privilégios fiscais. “Daí a importância de se promoverem eventos como este Seminário, para reflexão e mobilização da sociedade contra a retirada de direitos da Seguridade Social”, observou Eugênio.

Para Marluce Souza, o mundo capitalista está de olho no quinhão dos recursos que os trabalhadores conseguiram acumular ao longo dos anos duramente trabalhados. “O sistema capitalista quer se apropriar disso. Eles querem que, em vez de depósitos na conta do Estado, os trabalhadores depositem o dinheiro da Previdência numa conta do Banco Santander ou do Itaú, por exemplo“, observou ela, destacando que em nenhum governo do Brasil teve proposta para melhorar a situação dos trabalhadores e em particular a situação dos idosos. “Todas as propostas de reforma são para retirar direitos e tornar a vida do trabalhador pior do que ela já é”.

Marluce acrescentou que não podemos deixar que governo nenhum nos remeta às condições do passado, antes da Constituição de 1988. “O que o Governo quer é garantir superávit primário ( economia de recursos para pagar os juros da dívida pública). Eles querem simplesmente pagar os juros da dívida pública que sequer sabemos quem são os credores, e querem fazer isso com o dinheiro das nossas aposentadorias. Por isso temos que insistir para que os nossos Sindicatos se manifestem e lutem contra essas ameaças. Estamos vivendo um momento em que todos estamos sendo ameaçados diariamente. Não podemos deixar que as nossas condições de trabalho se tornem mais degradantes do que já são“, concluiu.

Juros da dívida pública

A dívida pública foi amplamente discutida nos 2 dias de seminário, a exemplo da palestra de Marcelo Marcelino, que versou sobre o Plano Real e os desdobramentos e consequências na dívida pública do País. “O capitalismo financeiro tem uma preponderância cada vez maior sobre as economias, mas a política do neoliberalismo não tem sustentação”, disse ele.

Por neoliberalismo, entende-se a doutrina, desenvolvida a partir da década de 1970, que defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo. Conforme Marcelo, esta é a cartilha que está sendo aplicada pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes, considerado um discípulo do capitalismo internacional.

De acordo com Marcelo, estamos vivendo num clima perverso em que ao invés de se preocuparem com a taxa câmbio as pessoas deveriam estar atentas com a renda. “O nosso problema, afinal, é salário, é renda, é emprego. Precisamos aumentar a nossa renda“, disse ele, acrescentando que o País necessita de uma política fiscal (gastos governamentais). “A definição de uma política fiscal é essencial. Temos que ter gastos públicos sim, mas em políticas públicas“. Neste sentido, ele condenou o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, instituído durante o Governo Temer. “O Governo adora cortar gastos públicos e aumentar impostos“, criticou.

O advogado Bruno Boaventura também enfatizou que a reforma da Previdência contemplará exclusivamente o mercado financeiro internacional. A palestra dele foi sobre os efeitos do regime de capitalização na reforma da Previdência, que o SINDIJUFE-MT trará em outras matérias na semana que vem, após o feriado dos 300 anos de Cuiabá. Em síntese, porém, ele disse que o governo sonha com o equilíbrio fiscal às custas da apropriação dos direitos de seguridade social dos servidores. “Nenhuma reforma da Previdência melhorou as condições dos servidores e dos trabalhadores em geral, e a proposta do atual Governo é ainda pior, e os únicos favorecidos serão os especuladores do mercado financeiro. O povo tem que ir pra rua lutar contra esta reforma, que não atende aos interesses da maior parte da população“, declarou.

Pelas considerações gerais dos estudiosos presentes no seminário da UFMT,  a batalha contra a reforma da Previdência exigirá uma grande mobilização da classe trabalhadora e de toda a população. “Temos que fortalecer a proteção social dos trabalhadores“, sintetizou Marluce Souza, complementando as palavras de Eugênio Lagemann no dia anterior, de que o sistema da aposentadoria pública é fundamental e foi ele que permitiu erradicar a pobreza na terceira idade, que era uma endemia nos anos 50. A corrente majoritária dos pensadores também exige a auditoria da dívida pública, para se identificar quem são os nossos credores e reduzir o montante dos débitos.

Esperança e otimismo

Apesar do desafio, claramente enorme, de conseguir a auditoria da dívida pública e barrar a reforma da Previdência que o Governo apresentou sem nenhuma prévia discussão com a população, o clima predominante no seminário foi de esperança e otimismo, como bem destacou o  professor da UFMT e estudioso de políticas públicas Bartolomeu José Ribeiro de Sousa. Ele acredita na mobilização da sociedade para impedir o avanço das propostas que retiram direitos da população. A fala de Bartolomeu também será objeto de matéria especial do SINDIJUFE-MT na próxima semana.